Após embates de presidente com Maia, parlamentares buscam desgastar governo sem abandonar projeto
Folha de São Paulo
26.mar.2019 às 2h00
Irritados com o presidente Jair Bolsonaro (PSL), líderes do centrão começam a discutir a possibilidade de desenterrar a reforma da Previdência do governo Michel Temer (MDB) e votá-la como afronta ao Planalto.
Desde a semana passada, integrantes de partidos que apoiam mudanças nas regras das aposentadorias mas que estão descontentes com o tratamento de Bolsonaro ao Congresso começaram a considerar ignorar a proposta do ministro Paulo Guedes (Economia).
Deputados e presidentes de partidos ouvidos pela Folha disseram que a ideia surgiu em conversas informais. Inicialmente, fizeram a avaliação de que o texto de Temer era menos duro, mais palatável e com projeções de economia mais factíveis e transparentes.
Guedes quer economizar R$ 1 trilhão em dez anos. Em 2017, Temer previa poupar R$ 800 bilhões em igual período, e a proposta aprovada na comissão especial sobre a reforma na Câmara fechou o valor em R$ 600 bilhões.
Com o aumento da temperatura na relação entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), os parlamentares viram na manobra uma forma de dar ao governo um recado de sua insatisfação política.
A ideia, segundo os líderes, ainda não havia sido levada a Maia até o fim da tarde desta segunda-feira (25). Maia negou haver a intenção de engavetar a reforma de Bolsonaro e ressuscitar a de Temer.
O presidente da Câmara deve se reunir nesta terça (26) em almoço com líderes partidários para discutir a reforma.
Após o encontro, parlamentares do DEM, do MDB, do PSD, do PP, do PR e do PRB deverão declarar apoio a novas regras previdenciárias, mas com veto às mudanças na aposentadoria rural e no BPC, o benefício para idosos miseráveis.
Deputados dirão que o texto do governo Bolsonaro é cruel com os mais pobres e os grupos mais vulneráveis.
Em relação à reforma de Temer, lideranças apontam que uma das facilidades seria que, já relatada por Arthur Maia (DEM-BA), está pronta para o plenário. Ela inclui alterações mais suaves no BPC e na aposentadoria rural.
“A reforma encaminhada pelo governo [Bolsonaro] morreu, não tem chance de ser votada e aprovada”, afirmou à Folha o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP).
“Mas acho que também tem um senso de responsabilidade de boa parte dos parlamentares, e mesmo a pressão dos governadores, que faz efeito. Acredito que talvez a gente retome o texto de Arthur Maia, o que resolveria o problema a curto prazo da Previdência e ao mesmo tempo o centrão não seria derrotado.”
Deputados que encabeçam o movimento dizem que as regras de transição da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) de Bolsonaro são muito complicadas —há três modelos que vigorariam juntos.
Na proposta de Temer, há apenas um modelo: aumento gradual da idade mínima para aposentadorias. A transição é ainda mais suave —20 anos em vez de 10—, e o texto não contém a proposta de capitalização —a poupança individual para cada trabalhador.
“O Bolsonaro não disse que a reforma agora está nas mãos do Congresso? Então qual o problema de o Congresso ressuscitar a reforma do Temer?”, afirmou José Nelto (GO), líder do Podemos.
“O importante é passar uma reforma, não importa de quem ela seja”, disse.
Se a ideia de resgatar a proposta anterior for executada com sucesso, a estratégia funcionará como demonstração de força do Legislativo. Mas nem todos na Câmara acham essa uma boa ação política.
Um correligionário do ex-presidente disse que, para o governo atual, seria ótimo se a reforma aprovada fosse a de Temer, e não a de Bolsonaro, uma vez que a medida é impopular. Para ele, a Previdência tem de ser carimbada como “a reforma do Bolsonaro”.
A PEC atual, porém, está travada na Câmara. O governo ainda tem dificuldade em conseguir formar a base aliada no Congresso Nacional.
Nem seu partido está convencido a chancelar a proposta, disse, nesta segunda, o líder do PSL, deputado Delegado Waldir (GO). “O governo tem de construir sua base.”
Ele tem a avaliação de que, atualmente, o governo não tem nem os 55 votos do PSL.
Para passar, a PEC precisa do apoio de 308 dos 513 deputados e de 49 dos 81 senadores, em dois turnos em casa Casa.
Na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), o presidente Felipe Francischini (PSL-PR) ainda não tem uma nova data para indicar o relator. Ele adiou a indicação após pedidos de lideranças partidárias, até mesmo do PSL.
A expectativa é que Guedes compareça à comissão nesta terça-feira.
Ao longo dos embates, perdeu força no centrão a ideia de derrubar o decreto de Bolsonaro que dispensa turistas dos Estados Unidos e outros países de visto. Mas esse movimento ainda existe.
Diante do desgaste com o Bolsonaro e o bate-boca intenso, Maia considera ainda não indicar o relator da PEC e deixar a escolha para o governo.
Apesar da dificuldade de impulsionar a pauta de Bolsonaro, a equipe econômica é cética sobre a possibilidade de ressuscitar o texto de Temer.
Nesta terça, um almoço que reuniu Maia, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o presidente do DEM, ACM Neto, e o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), serviu como tentativa de esfriar os ânimos.
“Maia e o presidente da República, nesse episódio concreto [de trocas de ataques por causa da articulação para votação da reforma], acho que exageraram tanto de um lado quanto do outro, mas entendo que é natural da política”, disse Davi.
“Esse episódio está superado.”