Por Cristian Klein, Rodrigo Polito e Carolina Freitas – Valor Econômico
08/03/2019 – 05:00
Dois dias depois de publicar um vídeo polêmico pelo Twitter, com ato obsceno realizado durante o Carnaval, o presidente Jair Bolsonaro defendem ontem, a uma plateia de militares a ideia que a democracia só existe pela vontade das Forças Armadas.
“A missão será cumprida ao lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, que amam a democracia e a liberdade. E isso, democracia e liberdade, só existe quando as suas respectivas Forças Armadas assim o querem”, afirmou, num rápido pronunciamento de quatro minutos, em cerimônia que comemorou os 211 anos do Corpo de Fuzileiros Navais, no 1º Distrito Naval da Marinha, no Rio.
Bolsonaro não concedeu entrevista depois da solenidade. De acordo com apuração do Valor, a publicação do vídeo em que um homem urina sobre outro – fetiche denominada de “golden shower” (chuveiro dourado) – desagradou a ala militar que compõe o governo federal. O episódio teve repercussão negativa, num momento em que o Executivo busca aprovar a reforma da Previdência.
Numa referência ao período eleitoral, Bolsonaro – que é criticado por não descer do palanque e permanecer com discurso sectário – disse que “temos a missão de mudar o Brasil”.
“Esse foi o nosso propósito, essa foi a nossa bandeira durante quatro anos andando por todo o Brasil”, afirmou.
O presidente defendeu “retaguarda jurídica” para que os militares exerçam seu trabalho, em especial nas “missões extraordinárias”, mas pediu “sacrifício” em relação à reforma da Previdência. “O que eu quero dos senhores é sacrifício também. Entraremos, sim, numa nova Previdência, que atingirá os militares. Mas não deixaremos de lado, não esqueceremos as especificidades de cada Força. Temos um ministério formado de pessoas técnicas, pessoas comprometidas com o futuro do Brasil, que nos ajudam a conduzir essa grande nação”, disse, em alusão ao Ministério da Economia, responsável pelas propostas enviadas ao Congresso.
A cerimônia, que ocorreu na Ilha das Cobras, contou com a presença do prefeito do Rio Marcelo Crivella, dos ministros Fernando Azevedo (Defesa) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e dos comandantes da Marinha, Ilques Barbosa Junior, e do Exército, Edson Leal Pujol.
Com a declaração de que a existência da democracia é fruto da vontade dos militares, Bolsonaro, mais uma vez, protagonizou o debate nas redes sociais após uma fala controversa.
A expressão “Forças Armadas” era o segundo assunto mais falado do Twitter no Brasil ontem às 16h45. Era superado apenas por “#TwoOfUs”, uma música do cantor britânico Louis Tomlinson lançada hoje – e trending topic global.
O vice-presidente Hamilton Mourão disse a jornalistas em Brasília que Bolsonaro foi “mal interpretado”. Ao contrário do que é praxe, o evento não foi transmitido na NBR, emissora oficial do governo, nem nos canais digitais do Planalto.
Derrotado por Bolsonaro no segundo turno das eleições, o ex-ministro e ex-prefeito Fernando Haddad (PT) ironizou a curta duração da fala de Bolsonaro no evento militar. “Num longo discurso de quatro minutos, Bolsonaro diz a militares que democracia só existe se as Forças Armadas quiserem. Infelizmente, o presidente não atendeu a imprensa para explicar o raciocínio”, afirmou Haddad.
Guilherme Boulos (Psol), que também disputou as eleições presidenciais em 2018, classificou a fala como uma “tragédia”. “Quando uma mente doentia se junta ao autoritarismo político, o resultado é a tragédia que estamos vivendo.”
Deputados federais da oposição endossaram as críticas. O líder do Psol na Câmara, Ivan Valente, acusou o presidente de cometer crime de responsabilidade e atentar contra a dignidade do cargo. “A Constituição diz que ‘todo poder emana do povo’. [Bolsonaro] constrange os militares a assumirem o autoritarismo”, afirmou Valente. A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, disse que a democracia foi “conquistada pela sociedade brasileira”. “A democracia não é objeto de tutela ou permissão”, afirmou Gleisi.
Líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB) afirmou que, apesar de ter jurado a Constituição ao ser empossado presidente, Bolsonaro “ou não conhece ou finge não conhecer” a Carta. “Dizer isso é uma ameaça inaceitável”, afirmou Molon no Twitter. Entre os aliados de Jair Bolsonaro – incluindo os três filhos políticos – mantinha-se nas redes sociais o silêncio em relação ao assunto.