22/04/2019 às 05h00
Por Ana Paula Machado e Taís Hirata – Valor
Os debates para definição de um novo marco regulatório do setor de saneamento reacenderam antigos embates entre concessionárias públicas e privadas. A qualidade e a eficiência dos investimentos e dos serviços prestados estão no centro de uma discussão que tem como pano de fundo os baixos recursos aportados em água e esgotamento no Brasil há décadas.
O setor privado quer aproveitar o momento para mostrar que investe mais e melhor que as estatais e defende mais competição. Levantamento feito por entidades que representam as companhias privadas mostra que nas estatais metade da receita está comprometida com a folha de pagamento, o que reduz significativamente a capacidade de investimentos dessas empresas.
De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), no ano passado foram investidos R$ 10,6 bilhões e 18% disso foram aplicados pelas companhias privadas, que detém apenas 6% do atendimento no país. Em 2017, as companhias estatais e privadas destinaram R$ 11,4 bilhões nas obras de expansão do atendimento de saneamento.
Desses recursos, o investimento privado por habitante atendido de 2014 a 2016 foi de 2,2 vezes a média nacional.
Enquanto as empresas privadas investiram R$ 418,66 por habitante, a média de investimentos no Brasil foi de R$ 188,17 por habitante.
“Essa baixa dos investimentos em saneamento se explica, em grande parte, pela estrutura das empresas estatais. As companhias estaduais têm uma despesa média anual por empregado de R$ 142 mil, enquanto nas empresas privadas esse valor é de R$ 56 mil por ano. Ou seja, as empresas públicas gastam 2,5 vezes mais com salários, benefícios e encargos do que as empresas privadas”, afirmou uma fonte ligada ao setor.
Em função dessa despesa elevada, a margem das companhias públicas fica comprometida. Elas gastam, em média, 51,58% da sua receita com pessoal. Já nas privadas, a relação é de 22,10%.
Na tentativa de ampliar os investimentos em água e esgoto, o governo busca encontrar um consenso em torno do novo marco regulatório, enviado ao Congresso Nacional como medida provisória no fim de 2018.
No entanto, da forma como o texto está sendo construído, dificilmente haverá mudança no cenário atual, segundo o diretor institucional da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares.
“Existe uma proposta de criação de microrregiões para agrupar municípios viáveis economicamente e os não viáveis. Até aí, tudo bem. Mas, querem retirar da MP a obrigatoriedade do chamamento público para a concessão dos serviços de saneamento. O mercado vai continuar como está”, criticou Soares.
O secretário de desenvolvimento da infraestrutura do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, afirma que a proposta do governo prevê a manutenção do chamamento público, que ampliaria a concorrência entre públicas e privadas.
“Trabalhamos para manter o mecanismo, mas não feito pelo município. Ficará a cargo dos Estados”, garante o secretário.
O texto final da medida provisória será entregue amanhã na comissão mista do Congresso e então poderá entrar em votação.
Uma minuta do relatório final, obtida pelo Valor, indica que a exigência de um chamamento público permanecerá no texto. Este chamamento deverá ser feito pelo “titular do serviço” – que pode ser tanto o município quanto um consórcio de cidades. A versão definitiva, porém, ainda está sujeita a ajustes.
O tema do chamamento tem sido a principal polêmica do novo marco do setor, e um consenso em torno desse artigo é considerado essencial para garantir a aprovação do projeto.
A associação das empresas privadas, porém, teme que as mudanças ameacem a ideia inicial da MP, que é justamente a de ampliar a competição entre as públicas e o setor privado.
A proposta do atual governo para a medida provisória foi apresentada pelo ministro de Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, durante a última audiência pública para tratar do tema, na terça-feira da semana passada.
Após essa apresentação, a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), entidade que vinha sendo uma das principais ativistas contra a aprovação da medida provisória, sinalizou que pode mudar de posição, caso o texto final incorpore as sugestões apresentadas pelo governo federal.
“A proposta altera o maior equívoco da versão inicial da MP. Isso ajuda na aprovação pois tira o principal motivo de discordância”, disse Roberto Tavares, presidente da associação.
Pelo Programa Nacional de Saneamento Básico (Plansab), o Brasil necessita de R$ 357 bilhões até 2033 para aumentar a cobertura de tratamento de água e esgoto no país. Hoje, 52% da população brasileira não possui ou tem um atendimento precário no tratamento de esgoto.
Para outra fonte, ligada ao governo, a medida provisória é imprescindível para atingir a meta de, até 2033, superar o índice de 90% de cobertura de esgoto. A leitura é a de que o ajuste atrairia investimentos privados.
O plano nacional prevê que 40% dos recursos sejam provenientes dos órgãos de saneamento e os outros 60% sejam realizados pela iniciativa privada. Atualmente, os operadores privados respondem por 6% do atendimento e investem 20% do que é aplicado por ano na área (veja ilustração acima).
“O que o setor investe anualmente, cerca de R$ 11 bilhões, é equivalente às perdas financeiras na distribuição de água potável [R$ 10,5 bilhões]. O dinheiro está sendo jogado no ralo. Com essa reserva de mercado [para as estatais], vamos universalizar os serviços de saneamento só em 2060”, afirmou Soares.