Por Fabio Murakawa, Raphael Di Cunto, Carla Araújo e Marcelo Ribeiro – Valor Econômico
27/02/2019 – 05:00
O governo já admite ceder e atenuar alguns pontos da proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma da Previdência, apresentada na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso.
Em um périplo ontem pela Câmara, onde a PEC tramita antes de seguir ao Senado, o secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, sinalizou a deputados que o valor do Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a idosos e deficientes de baixa renda, pode aumentar em relação à proposta inicial de R$ 400 mensais para faixa de sexagenários – menos da metade do salário mínimo, de R$ 998, a que hoje todo pessoa carente com mais de 65 anos tem acesso.
Marinho reuniu-se com as bancadas de PSD, PR e PSDB para explicar a proposta e ouvir demandas dos parlamentares. As queixas não se limitaram ao novo BPC. O líder do PR, José Rocha (BA), declarou que o partido é contra as mudanças na aposentadoria especial dos professores propostas na reforma da Previdência. Entre outros pontos, passou a ser exigida idade mínima de 60 anos para a aposentadoria docente.
Se confirmada esta resistência, a situação de Bolsonaro para mudar essa ponto fica mais difícil. O PR tem 38 deputados, que, somados à oposição, somam 178. Há pelo menos mais oito deputados de outros partidos de centro e centro-direita que vieram de carreiras do magistério. Sobram 333 votos para o governo tentar chegar aos 308 necessários para aprovar a reforma.
A iniciativa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de não se encontrar com a bancada do PR teve repercussão ruim.
Havia a promessa de reunião com a bancada toda na sede do ministério, mas em hora de votação no plenário. Guedes disse que, se os deputados não podiam ir até o ministério, ele não poderia ir à Câmara, e enviou Marinho. “Isso não é bom, mostra desprestígio. Quem fazia as reuniões com os partidos para discutir a reforma [do governo Michel Temer] era o Henrique Meirelles [então ministro da Fazenda], não um secretário”, disse um dos vice-líderes do governo, o deputado Capitão Augusto (PR-SP).
Parlamentares do PSD afirmam que Marinho admitiu a portas fechadas aumentar o valor do BPC, afirmando que “tudo é negociável”. Em público, no entanto, o secretário negou. “Estamos ouvindo os deputados, mas não há nenhuma negociação em curso”, disse.
A tônica da reunião com o PSD foi a falta de atendimento aos parlamentares, que não estão conseguindo ser recebidos pelos ministros. “Há grande desconforto com a falta de articulação política”, disse o líder do PSD, deputado André de Paula (PE).
Ontem à noite, pela primeira vez desde que assumiu o cargo, o presidente Jair Bolsonaro recebeu líderes dos partidos da Câmara no Palácio da Alvorada para uma reunião sobre a reforma da Previdência.
Ao longo da tarde, momentos antes do encontro, alguns dos convidados se mostravam pessimistas em relação às chances de aprovação do texto. Em um bate-papo no plenário, os líderes do PP, Arthur Lira, e do PRB, Jhonatan de Jesus (RR), diziam que a chande de a reforma ser aprovada atualmente na Câmara “é zero”. Somadas, as duas bancadas possuem 68 deputados – 38 do PP e 30 do PRB.
Indagado pelo Valor sobre o que falta para a proposta angariar um apoio mais sólido, Lira respondeu: “O que falta é o governo fazer política”.
Dois pontos em especial devem ser suavizados em relação ao texto original da reforma: além do BPC, também há pressão as regras para a concessão da aposentadoria rural, que estabelece uma idade mínima de 60 anos para homens e mulheres e o piso de R$ 600 por ano de contribuição para pequenos agricultores.
Líder do DEM, partido do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni e dos presidentes das duas casas do Congresso, o deputado Elmar Nascimento (BA) defendeu “a total retirada” desses dois pontos. E reclamou da condução dada pelo governo ao tema até o momento.
“Se há algumas mudanças sendo feitas agora, é muito fruto da opção que o governo fez de não dialogar antes do envio do projeto com as bancadas que estão dispostas a aprovar a reforma, porque sabem da necessidade dela”, afirmou. “Nós não estamos presos ao texto do governo, até porque não fomos ouvidos.”
Segundo ele, o governo ainda “não tem base” no Congresso, o que de certa forma pode tirar o “protagonismo” do Planalto em temas discutidos pelo Congresso, como a reforma da Previdência.
“Eu torço para que o governo dê certo […]. Mas não significa que tudo o que venha proposto pela parte burocrática do governo seja bom”, disse. “Até porque eu tenho obrigação, como político, de conhecer mais a realidade do povo que vai ser atingido pela reforma e a previdência de um aposentado do campo do que um burocrata, que sempre viveu aqui no ar condicionado, tendo outra condição de vida.”