Associação afirma que a medida “afetará os municípios mais pobres, que serão excluídos dos investimentos”
Por Agência Brasil
15 jul 2018, 11h14
Assinada pelo Planalto no dia 6 e publicada no Diário Oficial da União (DOU) na última segunda-feira (9), a Medida Provisória (MP) nº 844 que atualiza o marco legal do saneamento básico gerou polêmica no setor e ainda está sendo analisada pelos agentes reguladores.
Os representantes de associações municipais criticam a medida, por considerá-la “privatizante”, enquanto representantes do setor produtivo a apoiam. A própria Agência Nacional de Águas (ANA), órgão ao qual foi atribuída competência de editar normas nacionais para o serviço de saneamento básico, responsabilidade que era do Ministério das Cidades, informou que não se manifestará porque sua diretoria, com apoio do corpo técnico, “ainda está avaliando as alterações propostas pela Medida Provisória 844”.
Entre os principais críticos da MP está a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae). O presidente da entidade, Aparecido Hojaji, afirmou em entrevista à Agência Brasil que considera a medida um retrocesso por privilegiar o setor privado de saneamento e a livre concorrência, em detrimento do acesso aos serviços públicos. A Casa Civil, que coordenou durante dois anos o grupo de trabalho sobre saneamento, do qual a Assemae participou, discorda dessa avaliação.
Hojji diz que a Assemae não é contrária à revisão da Lei 11.445/2007, que dispõe sobre as condições estruturais do saneamento básico, mas defende que as alterações deveriam ser feitas por meio de um Projeto de Lei encaminhado ao Congresso, com participação dos parlamentares, entidades e trabalhadores ligados ao saneamento. Segundo ele, a MP não contemplou as reivindicações dos serviços municipais.
Por outro lado, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) se manifestou em defesa da MP por avaliar que ela aprimora a expansão da participação privada no setor. “Na avaliação do setor produtivo, o texto apresentado pelo governo propiciará o aumento dos investimentos em saneamento, hoje insuficientes”, diz a nota divulgada pela CNI. A entidade diz ainda que apoiará a MP no Congresso Nacional e pretende contribuir para que o Legislativo “aprove o melhor texto possível para a sociedade e o setor produtivo”.
Visões distintas
A Assemae, que representa cerca de dois mil municípios, participou de reuniões no Ministério das Cidades e na Casa Civil ao lado da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) e da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) durante o ano de 2017 para discutir as mudanças no setor.
Chefe da Assessoria Especial da Casa Civil e uma das responsáveis pela elaboração do texto da medida provisória, Martha Seillier sustenta que a MP não tem por objetivo privatizar o setor de saneamento nem retirar a competência das prefeituras, mas sim, ampliar a concorrência entre as empresas públicas e privadas, mantendo uma regulação forte por parte da ANA para impedir abusos nos preços e assegurar a manutenção da qualidade do serviço.
“Agora que o governo passa por uma situação fiscal complexa e que não vai se resolver logo, a gente precisa de uma solução que traga investimentos adicionais. Esse não é um setor que dependa só de investimentos públicos. As empresas cobram tarifa. Claro que isso é atraente para empresas privadas. Elas podem prestar o serviço a preços módicos se elas forem reguladas e se o Poder Público fiscalizar a qualidade do serviço”, afirma.
As entidades municipais consideram que, ao atribuir à ANA a responsabilidade pela instituição de normas de referência para o setor, a medida dificulta o acesso dos municípios aos recursos federais. Outra crítica é que a primazia dos municípios na prestação de serviços de saneamento básico será afetada pela necessidade de licitação quando houver mais de um interessado na prestação dos serviços.
Para a Assemae, os municípios menos rentáveis ficarão desassistidos, uma vez que a iniciativa privada tende a se interessar apenas pelas cidades que dispõem de mais recursos, enquanto as companhias estaduais e municipais terão de se responsabilizar pelas regiões menos atraentes economicamente.
Para o presidente da entidade, Aparecido Hojaji, a titularidade do município também é afetada com a extinção da exigência dos Planos Municipais de Saneamento Básico, bastando um Estudo Técnico de Viabilidade para a prestação desse serviço.
Martha Seillier rebate as críticas de que a MP retira a competência dos municípios na prestação de serviços de saneamento. Para ela, é justamente o contrário: a medida ajuda as prefeituras de menor porte a se ajustar aos padrões da ANA.
“As prefeituras menos preparadas podem aderir às metas estabelecidas pelo governo federal. Em vez de serem obrigadas a constituir uma agência reguladora própria e capacitar servidores. Além disso, vários municípios poderão se juntar para centralizar o tratamento de esgoto ou de lixo. Algo que hoje só existe em algumas regiões metropolitanas”, defende.
Sobre a troca dos Planos Municipais de Saneamento Básico por Estudos de Viabilidade Técnica e Econômica para viabilizar projetos de água, lixo e esgoto, Seillier considera que a exigência dos planos atualmente representa um entrave para os investimentos no setor.
“Atualmente, só um terço dos municípios brasileiros têm planos municipais. Se considerarmos planos atualizados, são pouquíssimos. Então por que não pegar um estudo técnico feito por um banco público que vai financiar um projeto bom para a população e usá-lo para validar o contrato?”, questiona.
Em nota, a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) também afirma que a medida “afetará os municípios mais pobres, que serão excluídos dos investimentos em abastecimento de água e esgotamento sanitário, além de provocar um aumento da tarifa decorrente do fim do subsídio cruzado”.
Em relação ao argumento de que a MP reduz os subsídios cruzados de companhias estaduais que usam os recursos na exploração de municípios mais ricos para custearem o serviço em localidades mais pobres, a assessora da Casa Civil diz que esse argumento não se verifica na prática. Ela ressalta que, no Brasil, a maioria das companhias privadas de saneamento opera em municípios de pequeno porte.
Mudança gradual
Martha Seillier afirma que as mudanças não serão imediatas e só serão sentidas gradualmente pelo consumidor, à medida que os novos contratos de água e de saneamento básico entrarem em vigor.
“Tudo o que foi contratado antes da norma está valendo. Só os novos contratos vão ter de provar que estão seguindo as regras. No caso de uma norma de qualidade da água, se o município pedir recursos ao governo federal para um projeto, vamos pedir uma cláusula no contrato dizendo que a qualidade terá de observar o padrão exigido”, acrescenta.
Após ser analisada por uma Comissão Mista, a MP segue para votação no Plenário da Câmara dos Deputados e depois para votação no Senado.
Procurado, o Ministério das Cidades não se manifestou até a publicação da reportagem.