A água tem de ser vista como um bem comum de toda a sociedade e das espécies vivas e não como uma commodity ou ativo de mercado
Carlos Bocuhy – Folha de São Paulo
16.mar.2018 às 8h00
A Organização das Nações Unidas (ONU), em sua resolução de 2015, definiu que a água e o saneamento são direitos fundamentais de todos.
Todo ser humano tem direito a esse bem tão precioso, e cada vez mais escasso, em quantidade suficiente, aceitável para uso pessoal e doméstico. No Brasil, porém, essa determinação, feita em assembleia geral da ONU, está longe de ser cumprida.
Apenas uma parcela da população brasileira usufrui em condições adequadas da água para a sua sobrevivência. Às vésperas do Fórum Mundial da Água e do evento paralelo, o Fama, que acontecem no Brasil pela primeira vez, em Brasília, entre 18 e 23 de março, é essencial uma ampla discussão de como garantir a água para todos.
O Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), organização não governamental (ONG) que estimula ações e políticas públicas com a finalidade de tornar o ambiente saudável, em conjunto com representantes da Argentina e do México, elaboraram, pela primeira vez, um Termo de Referência, que será apresentado durante o fórum mundial, com sugestões para melhorar a gestão da água.
Após ser amplamente debatido por ambientalistas, especialistas, Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública brasileira e argentina, o termo ainda passou por consulta pública, recebendo contribuições adicionais. O objetivo é levar à prática ações públicas já previstas, mas nunca implementadas. As propostas serão encaminhadas aos tomadores de decisão dos governos, que atuam na esfera de proteção e gestão da água.
Um relatório do Proam de 2018 sobre a vulnerabilidade hídrica na região metropolitana da São Paulo dá uma boa indicação do que é preciso ser feito para garantir que todos tenham direito a esse bem. Em 15 pontos analisados, a vulnerabilidade hídrica é elevada, o que exige ações imediatas sob o risco de não haver mais condições em futuro próximo, diante do alto custo de implementação.
Ou seja, a cada ano fica mais difícil realizar as mudanças necessárias. Entre as sugestões do relatório, estão o aumento da participação popular nas decisões sobre como preservar, reaproveitar e distribuir a água nas grandes metrópoles; o fortalecimento do setor público de abastecimento e saneamento; uma política nacional de segurança hídrica, que priorize a preservação da floresta amazônica, essencial para a manutenção do regime de chuvas em grande parte da América Latina; ações para conservação do solo e para aumento das áreas verdes urbanas, entre outras providências.
Além disso, é preciso evitar que continue a avançar a prática atual de tratar a água e o saneamento com uma abordagem de negócios apenas. A privatização da água em vários países se mostrou ineficiente. A água tem de ser vista como um bem comum de toda a sociedade e das espécies vivas e não como uma commodity ou ativo de mercado.
As medidas são urgentes. Não há mais tempo para esperar. O Fórum Mundial da Água e o evento alternativo, o Fama, que reunirão durante seis dias as maiores autoridades mundiais em água e saneamento, têm uma oportunidade histórica de fazer uma discussão mais profunda e, principalmente, buscar formas de implementar políticas públicas que melhorem a gestão e eficiência da água em todo o planeta. O Brasil tem um papel fundamental nesse debate, dada a sua importância, já que em seu território se encontra a maior floresta nativa do mundo, sem a qual não haverá futuro para a sobrevivência humana.
CARLOS BOCUHY é presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental) e conselheiro do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente)