Por Cláudio Frischtak – O Valor Econômico
16/04/2019 às 05:00
No Brasil, as perdas de bem-estar associadas a falhas de Estado não são apenas pronunciadas, como geralmente dominam as chamadas falhas de mercado. É nesse sentido que corretamente se argumenta que as intervenções nos mercados necessitam ser avaliadas cuidadosamente em termos de conveniência, eficácia e dosagem. No passado, esse não foi o caso, e seja por captura, ideologia ou erros de análise e prescrição, o Estado passou não apenas a absorver acima de 40% do PIB, mas distorcer fortemente a alocação de recursos.
Estamos sem dúvida na beira do precipício fiscal, o sexto ano de déficits primários que ameaçam a solvência e a própria viabilidade do Estado de prover os serviços básicos para a população do país. Daí a necessidade das reformas da previdência, administrativa, e a reavaliação dos programas e gastos do governo, sem exceção.
Há, contudo, um segundo conjunto de reformas inadiáveis, estas no âmbito microeconômico. Algumas de natureza
infralegal, a exemplo de um programa pré-anunciado de abertura da economia nos próximos 4 anos. Um programa desta natureza deve ser acompanhado de um esforço de redução do chamado custo Brasil, que onera a competitividade das empresas. Esta não é uma figura de retórica, pois empresas são confrontadas com múltiplas restrições que se explicam pelo atraso do país em reformar as instituições (enquanto regras), dar combate aos monopólios- muitos instituídos em lei – e promover mercados abertos e competitivos.
Há importantes legislações no Congresso, cujo andamento se vê dificultado por governos eventualmente preocupados em arrecadar (ou ter suas empresas como instrumentos de clientelismo político), e atores privados privilegiados, todos interessados nas rendas apropriadas pela posição no mercado dessas empresas.
Esse é o caso – apenas para citar dois exemplos – da Lei 6.407/2013, que moderniza o mercado de gás; e da nova tentativa de melhor regular e introjetar competição no saneamento básico por meio da MP 868/2018, tendo a anterior (MP 844) caducado por ferrenha oposição das próprias empresas, funcionários e alguns governos estaduais.
Respeitando-se contratos juridicamente perfeitos, deve-se avançar nas reformas que irão modernizar as relações de mercado no país.
Para a maioria da população, as discussões e embates que se dão no Congresso passam despercebidos; mas seus efeitos são dramáticos, seja no preço dos insumos que todos pagam (a exemplo do gás natural em que somos um dos países produtores de preços mais elevados na ponta consumidora), ou ainda nos péssimos índices de cobertura de saneamento básico, perdas de água, e de coleta e tratamento de esgoto, hoje próximos a países de baixa renda. Na avaliação dessa e outras legislações se espera que o que venha prevalecer seja o interesse público, difuso e logo pouco defendido.
Uma dimensão essencial das reformas que vai além da consolidação fiscal e modernização dos mercados diz respeito à insegurança jurídica que prevalece no país e afeta não apenas empresas nas suas relações com o Estado, mas direta ou indiretamente a maioria dos brasileiros.
A natureza da insegurança jurídica é multiforme. Em parte é fruto de decisões judiciais, principalmente aquelas tomadas monocraticamente por juízes de tribunais superiores, que ou bem contrariam entendimento já estabelecido ou adiam – propositalmente – decisão de mérito. Em parte a insegurança é gerada pela imprevisibilidade regulatória, a qualidade das decisões das agências, a percepção de eventual captura, ou ainda o não cumprimento pelas agências de compromissos formais com concessionários (e inversamente, a fiscalização falha e a falta de proteção ao consumidor, que acaba por gerar oposição dos usuários e da população em geral a processos de privatização e concessão).
Reduzir a insegurança jurídica é um imperativo. No âmbito legal, pelo uso jurisprudencial do consequencialismo, fazendo com que juízes e colegiados deem maior publicidade e clareza às decisões judiciais pela análise ex-ante do seu impacto. E segundo, acelerando ou dando precedência a revisões pelos colegiados de decisões monocráticas, inclusive para fortalecer a estabilidade do direito.
É igualmente essencial prover clareza aos conflitos de instâncias e competências tanto no âmbito da Federação (União, Estados e municípios) quanto na esfera dos órgãos de controle. Com o objetivo de reduzir a hiperjudicialização das relações com o Estado é necessário dar maior segurança ao agente público para aceitar instrumentos que reduzam os conflitos, a exemplo dos institutos da arbitragem e de Comitês de Resolução de Disputas.
Já a elevada carga regulatória e o uso das agências para fins de barganha política implicam elevado prêmio de risco regulatório, fato agravado por dificuldades técnicas de regular. Nesse sentido é essencial circunscrever a regulação (e mover para regimes de autorização), e melhorar sua qualidade, aprovando o PL 6621/2016 (no momento no Senado) que dota as agências de autonomia decisória e financeira.
Finalmente, a insegurança jurídica se remete às normas emitidas pela autoridade pública que dificultam o processo decisório das empresas e introduzem grande incerteza no ambiente de negócio. Há decisões que são tomadas com a melhor das intenções por agentes públicos impelidos a mudar as regras do jogo por conta do imperativo arrecadatório ou mesmo pela percepção de distorções do regime tributário, a exemplo de ajustes feitos no regime da Zona Franca de Manaus, ou ainda nos incentivos regionais (ou estaduais).
O problema é a insegurança que essas iniciativas acarretam: para as empresas, é melhor ter um regime estável, mesmo que do ponto de vista privado não seja o preferível, que um regime que mude em função das Circunstâncias, gerando maior aversão ao risco pelos agentes econômicos. Esse, aliás, é um princípio que deve nortear a administração pública: o Estado prover mais segurança enquanto bem público, e minimizar a incerteza e imprevisibilidade para a sociedade, e dessa forma ampliar o horizonte das empresas e famílias.
Cláudio Frischtak é sócio da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios.